terça-feira, 3 de abril de 2012

A morte e o renascimento do entardecer

Abri os olhos, eram 9 horas da manhã do tão esperado dia. Deitado, olhei para o lado e vi ela. Pensei em passar a mão embaixo do travesseiro, pegar meu fiel canivete e lhe furar os olhos. Mas seria injusto, afinal, ao longo de toda a minha vida de fachada ela esteve ao meu lado e ela seria uma ótima testemunha da história que vou lhes contar.

18 anos de planejamento e mentiras, 18 anos economizando cada centavo para obter todo o tipo de "recursos", renderam a maior obra de arte que alguém poderia ter criado nessa cidade medíocre.
Eu tinha em meu poder uma AK-47, 3 granadas duvidosas e uma quantidade de munição que faria inveja a um  guerrilheiro. ( é incrível o nível de coisas que você pode conseguir com alguns soldados insatisfeitos com o salário do nosso nobre exército)
O plano era bem simples: entrar em um local bem movimentado e fazer o maior número de vítimas no menor período de tempo. Quando iniciei o plano não fazia ideia de onde seria, mas uns 2 meses antes decidi que seria o shopping da cidade. Não tenho nada contra o capitalismo ou ideologias esquisitas, mas esse sem dúvida seria o lugar mais movimentado naquele dia. Consegui com um senhor barrigudo e achatado algumas cópias da planta do lugar, lembro dele fazer uma piada do tipo "só não vá explodir o lugar" ou algo assim.
Estudei tudo como um adolescente estuda a anatomia de uma linda mulher. Andei dias e dias naquele maldito lugar tirando fotos e fazendo anotações, sempre sofrendo com o terrível ar-condicionado.
Os estudos estavam prontos, era hora de planejar a forma que o ataque seria.
A primeira parte era obviamente, entrar armado em um lugar movimentado.
Adoro a AK-47 e suas peculiaridades. Uma arma leve e de fácil manuseio, nunca trava e é resistente à água, quase perfeita, mas para meu plano ela tinha um defeito: era grande demais para passar despercebida.
Um dos meus vícios, a música, acabou me dando a solução para este pequeno entrave. Modifiquei o case de uma das minhas guitarras para que acomodasse a arma, a munição e as granadas. Seria fácil passar pelas pessoas sem levantar suspeitas, afinal, essa cidade está entupida de músicos frustrados carregando seus instrumentos por aí. Pensei nos outros detalhes e concluí a parte teórica da minha então chamada "meta de vida". Era hora de colocar os 18 anos de sonhos em prática.

Dia das mães de 2008 - o inicio

Deixei minha esposa dormindo, peguei o case de guitarra previamente carregado e coloquei no porta malas do carro. Estava um lindo dia, com nuvens em formatos engraçados e no rádio ironicamente tocava "dry the rain", mas não quis pensar em muita coisa, estava ansioso para chegar ao shopping e enfim ouvir os acordes da doce metralhadora velha.
Parei no estacionamento e fiquei alguns segundos parado, quase sem respirar, mas logo peguei o case e me dirigi ao elevador que por sorte estava vazio. Passei pela praça de alimentação indo em direção às salas de cinema, observando. O lugar estava completamente lotado, seria uma ótima pintura, cheia de cores e formas.
Parei bem no meio do corredor, abri o case e retirei a arma. O único alvo escolhido seria o primeiro, o resto resolvi deixar para o destino. A única coisa que estranhei foi ninguém ter reparado que eu estava retirando uma arma bem no meio de um shopping. Acho que as pessoas não enxergam bem quando estão enchendo suas barrigas de porcaria.
Olhei para um garotinho de uns nove anos e apertei o gatilho.
A cena foi linda. O pequeno crânio explodiu como uma laranja, espirrando o líquido pegajoso e vermelho na cara do pai que ainda sorria. Em milésimos de segundos a gritaria se tornou ensurdecedora. Pessoas se empurravam como bois, lutavam umas pelas outras para encontrar um lugar ao chão enquanto outras corriam por suas inúteis vidas. Lembro de ter soltado até um sorriso ao ver um segurança do local tropeçar em uma loira. Que espécie de lugar contrata seguranças desarmados e patetas?
Ouvi o "clec" da trava quando o primeiro pente acabou. 30 balas já haviam sido disparadas e nas minhas contas só errei dois tiros. Enquanto recarregava a arma, pude ouvir o som das sirenes se aproximando. Eu tinha que ser rápido.
Recomecei a atirar. Derrubei aproximadamente mais umas 18 pessoas que corriam. O lugar já estava quase vazio, só havia alguns covardes que não tiveram coragem de correr pra se salvar, deitados no chão. Achei melhor deixá-los vivos. A vida se encarrega dos covardes.
Continuei andando pelo lugar procurando mais vítimas. Achei 3 mulheres escondidas em uma loja e dois adolescentes esquisitos embaixo de um banco. Matei todos.
Estava estranho, a polícia já deveria ter invadido o lugar. Estava tão monótono que resolvi nem usar as granadas. Voltei à praça de alimentação para admirar minha obra. Havia muitas cores, e muitas formas.
Vários cadáveres sobrepostos como uma mesa, pedaços de membros pequenos que por azar foram atingidos, roupas rasgadas e sangue, ah como havia sangue! O vermelho lindo espalhado para todo lado, como um lindo entardecer! Tentei contar quantas pessoas foram necessárias para completar minha pintura, mas ouvi o som dos policiais chegando pelos corredores, precisava ser os policiais. Eu não poderia ir embora sem matar um deles. Meu desejo foi uma ordem.
Atirei no primeiro que vi, um jovem rapaz magrelo e pálido, mas infelizmente só o atingi na perna.
Antes que eu pudesse mirar novamente fui atingido por um impacto monstruoso no peito. Apaguei.

Nesse momento as memórias foram fragmentadas, tudo virou apenas flashs.
Lembro de estar no que parecia ser uma ambulância encharcado do meu sangue morno.
Dias depois em uma cama de hospital e mais tarde de acordar amarrado em uma cadeira, com muita dor e sem 4 dedos da mão esquerda. Acho que essa é a parte da tortura que meu advogado tanto fala.

Para desgosto de minha pobre mãe, meu julgamento foi em outubro de 2009.
Fui sentenciado à 30 anos de prisão sem direito à condicional, e colocado em uma cela individual por ser considerado psicologicamente instável.
É dessa cela que lhes conto essa história, que os jornais chamaram de "o massacre do dia das mães".
As reportagens diziam que matei 49 pessoas e feri várias outras, (o que prova que minhas contas estavam bem erradas ) e que levei um tiro no coração, disparado por um "heroico policial de sorte".
O jornal do dia 12 de maio de 2008 trazia uma linda foto do meu quadro intitulado "O caos do entardecer". Só achei horrível aquelas tarjas pretas nos olhos das vítimas, tirou um pouco do brilho da obra.

A grande ironia de tudo está no fato de que meu coração, que pra mim parecia ser tão frágil e deteriorado pelos relacionamentos que tive, acabou resistindo à um tiro certeiro e a uma cirurgia de alto risco que vários médicos se recusaram a fazer alegando não quererem salvar um monstro.

Nesse momento acho que vocês devem estar se perguntando a razão de eu estar contando a minha história, ou esperando para saber os motivos, razões e ideologias que me levaram a cometer tal ato, mas sinto em desapontá-los, não há nenhuma razão.
Isso mesmo, não há um acontecimento, música, filme ou qualquer outra baboseira que tenha me levado à matar 49 pessoas "inocentes".
As pessoas simplesmente são o que são, cruéis. Algumas mais, outras menos. Sangue me faz rir, matar pessoas me faz rir, simples assim, não vou negar minha natureza por causa de pessoas.
Mas há uma razão sim, para eu estar escrevendo este texto. Vou revelar um segredo.

Eu vi um novo quadro na minha cabeça, bem maior, com mais detalhes e muito mais vermelho.
Já que tenho aproximadamente 27 anos para planejá-lo, eu posso garantir à todos, que esta será minha obra prima!


(este é o primeiro texto de um blog novo que resolvi abrir, assim que ele estiver pronto eu posto o endereço, ou não.)

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